Observavas atentamente os meus passos. Sabia-los.
Sabias que eu gostava daquele chocolate quente logo pela manhã, das torradas
com a manteiga por derreter. Sabias que a minha cor preferida era o azul e que
gostava de imaginar formas a partir das nuvens do céu. Sabias que o meu cabelo era
o meu grande tesouro e que gostava de o usar solto e despenteado. Sabias tudo.
Sabias de cor cada sinal do meu corpo e sabias também que eu odiava cada um
deles. Sabias dessa minha paixão por comida de plástico e por uma boa refeição
com pauzinhos. Sabias que me apaixonava por pessoas, por sorrisos, por cavalheirismo
e por boa educação e sabias que adorava de morte essas tuas bochechas, esses
teus amuos e cada recanto dos teus pensamentos mais sórdidos. Que o abraço era
o meu ponto fraco e que a ele recorria para desvanecer a mais ténue
insegurança. Que odiava despedidas e que lacrimejava ao mais pequeno pormenor,
à mais pequena emoção.
Sabias que eu ria, ria muito, ria à gargalhada e
adorava fazê-lo. Que ria até mesmo quando chorava e que a grande consequência
de tanto riso seriam algumas rugas bem acentuadas perto dos cantos da boca. Sabias
que ser velha me assustava e que dava tudo para voltar à minha infância. Mas
também sabias que sonhava com o dia em que a reviveria, de mãos dadas com mais
uma vida.
Sabias que adorava meiguice, ternura, nem que fosse
num olhar. Que admirava a diferença no seio de tanta semelhança e que levava a
vida mais a sério do que deveria. Mas também sabias que eu era assim e que
jamais mudaria, jamais seria diferente do que aquilo a que te habituei. Sabias
tanto e deixaste tão pouco.
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