Saí de casa à pressa, ainda ensonada, naquela manhã de Inverno.
Embrulhada em casacos e camisolas, coloquei o capuz e corri o mais depressa que
pude até à estação de comboios, tentando escapar-me de alguns pingos de chuva.
Depois de comprar o bilhete, subi até ao cais e retirei da mala uma revista. Na
ausência de bancos livres, sentei-me no chão de pernas cruzadas, qual criança
imatura. Folheei algumas páginas da revista em busca de um qualquer artigo
interessante. Moda, maquilhagem, fofocas, culinária…temas vários mas nenhum me
despertara a atenção. Ao virar mais uma página, encontrei uma crónica com o
tema “Amor à primeira vista”. Suspirei. Decididamente, romantismo não era
comigo.
The Paperman, 2012 |
De repente, senti algo gelado cair-me sobre o joelho. Estremeci e dei um
gritinho tipicamente feminino quando algo não corre bem ao nosso jeito. Caramba,
tinha acabado de sair de casa e tinha já uma enorme nódoa na roupa acabada de
vestir!
Tirei o capuz e olhei para cima. Deparei-me com um rapaz que segurava, desajeitadamente, uma lata de refrigerante, implorando-me que o desculpasse
daquele desastre. Agachou-se diante de mim e desculpou-se uma vez mais.
Apesar da raiva momentânea que me passou pela cabeça e que quase me saiu pela
boca, contive-me e esperei que ele terminasse aquele discursozinho ridículo de
arrependimento. Era tão surreal que se tornara cómico. Colocando a mão à frente
da boca, tentei controlar uma gargalhada. E outra. E mais outra.
O rapaz calara-se, olhando-me nos olhos pela primeira vez. Eu não esperava. Baixei o rosto
e coloquei uma madeixa de cabelo solta para trás da orelha, enquanto tentava
explicar-lhe que não era preciso tamanho exagero. Afinal era apenas uma nódoa
nas minhas calças, acabadas de vestir.
Levantei-me daquele chão frio assim que soara o aviso de chegada do
comboio. Vagarosamente, o rapaz levantou-se também. Após um longo silêncio e
uma estranha troca de olhares, o comboio entrara na linha, impedindo qualquer
troca de palavras naquele barulho ensurdecedor. Entrei e dirigi-me ao fundo da
carruagem onde todos os bancos se encontravam vazios. O rapaz sentara-se à
minha frente e, debruçado sobre os joelhos, ia alternando o olhar entre a
janela e os meus olhos que tentavam, a todo o custo, evitá-lo.
Naquele comboio, o tempo passara vagarosamente enquanto, lá fora, os ponteiros iam correndo em todos os relógios. Em escassos minutos, a paragem seguinte ditara o adeus a um olá que não
chegara a acontecer.
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