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Retrato de um cancro

Olhas-te ao espelho. As rugas já se destacam, a idade já pesa mas, decerto, nada pesará tanto quanto a cicatriz que carregas no peito, que te atravessa a feminidade e quem sabe a alma, ali tão perto do coração. Coração que, a cada dia, abre a página de mais uma etapa, porque sabes que tens de levar um dia de cada vez, como se tivesses regressado à infância e te erguesses do chão como nunca antes.
As dores são tão profundas que se tornam impossíveis de descrever e tão perfurantes que chegam a atingir o mais ínfimo dos sonhos e desejos que ainda tens por realizar. Os cuidados são, agora, redobrados. Aos poucos, vais aprendendo o quão difícil é deixares ir embora alguma da independência que tinhas e que cada gesto irreflectido pode trazer algumas consequências não tão boas quanto esperarias. 
É difícil, eu sei. É difícil olhares para mim como se fosse a última vez, imaginares a tua ausência nos meus sucessos e fracassos. É difícil saberes que tudo pode ser trágico e não seres capaz de, por ti própria, pôr de lado essa hipótese. É difícil não conseguires encarar o teu próprio corpo e as marcas exteriores que essa batalha te deixou, pois, interiormente, sangra a maior ferida enquanto essa sombra ainda te domina e paira sobre todos nós.
É tudo tão difícil que digo que sei o que sentes apenas para saberes que tento, pelo menos, imaginar. Tento imaginar quão duras serão as tuas batalhas diárias contra esse fantasma e essa raiva profunda que, certamente, sentirás por ele. Mas há algo que te prometo. Rirás muito, rirás à gargalhada quando derrotares esse tão possante adversário e eu vou estar contigo, de mãos dadas, a celebrar essa vitória.


O dia de hoje. O dia que tantos homens, mulheres e crianças gostavam de não tomar como seu. O dia que guarda o sofrimento silencioso de tantos heróis e heroínas. O dia que, no fundo, não deveria existir só para não ter essa palavra: CANCRO. 

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