Lá dentro, duas camas. Dois indivíduos a lutar pela vida e a frequência cardíaca de cada um era compassada por um "bip" que, francamente, me arrepiava cada poro do corpo. Ele estava na cama mais ao fundo do quarto, bem perto da janela. Lá fora, os sons costumeiros da cidade. Ele, alheio a todos eles, imóvel e indolente aos tubos que lhe cobriam o corpo, transmitira-me emoções bem distintas.
A última vez que estivera num hospital, havia sido uma circunstância bem mais casual. Uma mera consulta de rotina, sem consequências ou sentimentos negativos, já que saíra de lá com a certeza de uma saúde de ferro. Desta vez era diferente. Aquele homem, com quem combinara jantar e em quem, de forma precoce, havia depositado todas as minhas esperanças de um "final feliz", tentava, a todo o custo, segurar o ténue fio que separa a vida da morte.
Aproximei-me. Sentei-me no divã perto da cama e ficara a observá-lo, parada naquele silêncio. Na minha cabeça ecoavam milhões de pensamentos em simultâneo, quais formiguinhas sem destino. Questionava-me acerca do que seria correcto fazer e se seria até correcto estar ali, a assistir à sua maior batalha, invadindo-lhe a privacidade daquela forma.
Vagarosamente, estendi a mão na direcção da sua. Pousei-a. Que estranho era tocar a mão de alguém que, praticamente, desconhecia.
O corpo dele continuava imóvel, sem reagir ao meu toque. A sua mão, pousada sobre os sedosos lençóis de algodão, estava quente e quase fechada. Fechei os olhos durante uns minutos, na esperança de ter um olhar de volta ao abri-los. Nada. Tentei imaginar o que me diria, ou até se me reconheceria. Recusava-me a deixá-lo ali, sozinho, no meio de tudo o que jamais lhe desejaria. Recusava-me a perder uma última oportunidade de perceber quem era, afinal, o Rui.
Levantei-me do divã e dirigi-me à janela. Fiquei apática, de olhos no vazio.
Entretanto, a enfermeira de serviço entrara no quarto para observar ambos os doentes. Virei-me de imediato. Quis fazer várias perguntas mas contive a preocupação. Não foi preciso falar.
- O traumatismo foi grave. Resta-nos esperar que acorde. - avançou a enfermeira, visivelmente habituada a situações como aquela. Era um coma, situação nada casual. Não havia resignação possível.
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