Uma semana e os olhos do Rui continuavam fechados para o mundo. Visitara-o todos os dias, sempre com a mesma esperança de o ver acordar. Levara-lhe chocolates, um mp3 com algumas das músicas que ouvia na minha juventude. Queria estimular-lhe a audição e o olfacto e acabar com aquele pesadelo em que ele ele mergulhara e no qual eu, por arrasto, mergulhara também. Por várias vezes, colocara-lhe os phones nos ouvidos, deixando-o à mercê de agradáveis melodias, mas não resultara. Esgotara as minhas ideias.
Noite cerrada de sexta-feira. No sofá da sala, via televisão enquanto a Leonor dormitava no meu colo, certamente feliz por se poder deitar um pouco mais tarde do que o normal. Era adorável observá-la a dormir. O beicinho que fazia era único e enternecia qualquer coração. As suas pestanas, longas, lembravam as lindas borboletas que se mostram ao romper da Primavera.
Naquele curto espaço de tempo, imaginara o futuro enquanto a televisão ia falando sozinha. Imaginara-a mais crescida, um rosto de mulher mas, ainda assim, jovem. Como estaria dali a uns anos? O que pensaria em relação a tudo o que vivia agora, a ti, ao pai ausente que foras, pelo menos, durante quatro anos?
O telefone tocara. Não conhecia o número. Indecisa quanto a atender ou não, aguardei alguns segundos. Atendi.
Eras tu. Estremeci ao ouvir a tua voz, áspera, fria.
- Olá Teresa. Acho que sabes quem está a falar... - disseste, num tom arrogante.
Não respondi. Na verdade não deixaras, continuando o discurso.
- Bom, amanhã de manhã vou aí a casa buscar a Leonor. Vou passar o fim-de-semana com ela. Ok?
Fez-se silêncio. Se fora apanhada desprevenida com o teu telefonema, aquele pedido superara todas as expectativas. Era estranho, mas não to iria recusar pois, apesar de tudo, era justo. Eras o pai.
- Teresa, estás a ouvir-me? - insististe.
- Humm...sim...eh...ela estará pronta às 11h. - respondi a medo.
Era o correcto, mas não era o que queria. Com aquele telefonema tudo mudara. No dia seguinte e pela primeira vez, ficaria sem um bocadinho de mim durante dois dias. O tempo não passaria a correr e a casa perderia toda a sua vida. Às vezes desejava ser mãe a tempo inteiro, mãe por completo, um papel que não deixasse espaço para ti. Gostava de poder saber como seria o fim-de-semana da Leonor com alguém que lhe era quase desconhecido, estranho. Assistir aos banhos, às refeições...mas não podia ver com os meus olhos, apenas imaginar. Levarias a minha "borboleta" e ela não saberia como voar contigo. Isso dilacerava-me por dentro.
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