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Noite de Inverno

Subiram de novo ao telhado, às águas furtadas da vida de onde apenas as estrelas os alcançavam.
O vento frio daquela noite de Inverno quase lhe cortava o rosto à medida que lhe ia despenteando os cabelos, apanhados num rabo de cavalo feito à pressa. Sentia o corpo congelar debaixo daquele céu escuro e as mãos, frias, insistiam em não sair de dentro dos bolsos do casaco.
Olhou-o. Apreciava a vista como se nunca a tivesse conhecido antes e a maneira como olhava o céu fazia lembrar uma criança, fascinada com os presentes em redor da árvore na noite de Natal.
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Ela, pensativa, deitou-se sobre o muro que a separava do abismo e, no fundo, da vida que continuava lá fora. Fora deles e daquele lugar.
Observando o céu, escolheu a estrela mais brilhante e pediu um desejo. Foram vários os desejos que ecoaram na sua cabeça. Desejou flutuar no tempo de um momento em particular; o momento em que, acidentalmente, os olhos dele e os seus se haviam cruzado, passando a olhar na mesma direção. Fechou os olhos e deixou que o vento voasse sobre o seu corpo.
O silêncio pregava naquele lugar, conseguindo arrepiar quase tanto quanto aquela noite fria.
Sem querer, lembrou-o a ele e ao seu sorriso, mesmo estando ele ali tão perto e, de forma inconsciente, sorriu como se sorrissem juntos outra vez. Lembrou as suas mãos, a sua pele, os seus lábios como se, juntos, se deixassem flutuar de novo no tempo, a imensidão de tempo que haviam vivido, na fugacidade da vida que haviam deixado para trás.
Reabriu os olhos e foi sem querer. Foi sem querer que o seu desejo se havia concretizado ali mesmo, ao reabrir os olhos na direção dos dele. Sentira, tal como dantes, o coração saltar-lhe do peito e, sem conseguir acreditar no que via, agarrou-lhe na mão, fria, que lhe aquecera de imediato a alma.
Pela cabeça dele corriam incertezas. Incertezas tão certas quanto o era estar ali, diante dela e longe do resto do mundo. Com a outra mão, tocou-lhe o rosto, quase gélido. Sentiu de novo a suavidade daquela pele que já tão bem conhecia e que tantas vezes percorrera por inteiro. De tantas mulheres com quem dormira na vida, apenas aquela lhe dera o mais doce "Boa noite" que alguma vez ouvira. Apenas aquela o fazia viver sonhos acordado e dormir sobre eles com receio de acordar.
Apenas aquela o fazia recear em todos os sentidos possíveis. E só isso era assustador.

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