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Sorriso em pó

Deambulávamos pela casa como duas crianças esbaforidas à procura de um doce. À procura da doçura que era aquele prazer megalómano que se agarrava às paredes que pareciam tremer, ou às nossas roupas que, num piscar de olhos, desapareceram. Caíram sobre a tijoleira fria, sobre aquele chão sujo daquele lugar que já não era de ninguém.
Lá fora chovia. Cá dentro, um calor de morte. Suávamos como se sua no deserto, apertávamos as mãos como quem passeia pelas ruas da cidade. Quanto mais os arbustos gemiam, mais o meu corpo abanava sobre ti e sobre as tuas palavras grotescas, que surgiam como fumo de um grande incêndio.
Era noite, noite cerrada. Apesar do calor, algo nos arrepiara os poros e, aos poucos, nos tornava inertes e sombrios.
Sem querer, deixaras cair o sorriso e eu apressei-me a apanhá-lo. Com cuidado, aconcheguei-o dentro da conchinha que fizera com as duas mãos. Não queria que quebrasse mas estava frágil. Frágil demais para aguentar o frio que, aos poucos, te ia dominando e gelando o coração.
Desfez-se em mil pedaços e depressa se transformara em pó, voando para fora das minhas mãos, da minha vida, do meu mundo, perdendo-se por aí, dentro de outra conchinha, de outras mãos, talvez mais quentes.

Não voltarias a sorrir para mim. Não voltarias a cruzar os teus olhos com os meus, como sempre e como dantes. A tua alma fechara-se como a Lua fecha o dia e o teu coração, esse, o maior icebergue que jamais conseguirei quebrar.


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