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Dona da alegria

Alexas_Fotos por Pixabay

Semana de praxe na faculdade. Eu, ainda com 17 anos, era a mais nova e mais pequena caloira daquele curso. Foi por estes dias que conheci a Isa.
A empatia foi mútua e imediata. A Isa tinha a pele negra e um sorriso enorme e constante que roubava as atenções de toda a gente que com ela conversava. Quando sorria, as bochechinhas pontiagudas elevavam-se ligeiramente e os olhos, escuros, pareciam sorrir também. Perdia-se em longas gargalhadas com as minhas expressões provincianas e com o meu discurso rápido, por vezes até impercetível.
A Isa era uma miúda simples que tentava ser discreta, apesar de a sua presença alegre conseguir encher uma sala. Sempre que a ouvia falar sobre Angola com alguma saudade, lembrava-me de imediato das nostálgicas estórias que a minha mãe e os meus avós me contavam do tempo em que tinham vivido em África. Das memórias que tinham trazido, das imagens das palmeiras quase suspensas sobre a praia, da deliciosa muamba de galinha aos almoços de Domingo e dos lugares que, a muito custo, tinham eles deixado para trás com o regresso a Portugal.

A Isa era portuguesa e ria mais do que falava. E como eu admirava aquele jeito de estar na vida! Sempre que me recordo dela, todas as imagens que surgem na minha cabeça evidenciam claramente aquele sorriso rasgado e os dentes brancos, o cabelo crespo esticado, a pele cor de chocolate e a gargalhada fácil sobre as minhas piadas que, mesmo sem graça, nos proporcionavam horas de risos até quase fazermos xixi.
Não me recordo de ver tristeza naqueles olhos, nem sequer uma expressão cerrada naquele rosto. Nunca a ouvi gritar, refilar, discutir. A Isa era a personificação de calma e descontração. Estava tudo bem, bastava sorrir.

E foi no auge de toda esta boa disposição que a Isa se mudou de malas e bagagens para Londres. Acredito que, no meio das camisolas dobradas e dos livros empilhados, levou com ela uma boa dose de saudades e de ânsia pelo regresso, embora saiba que é temporário.
Os anos passaram, mas o meu carinho pela Isa permanece intacto e a nossa amizade parece ter ficado no exato local onde a deixámos, quando nos despedimos pela última vez, num abraço tenso mas aconchegante. Sei que, em todos os regressos a Londres, leva consigo o coração mais adoçado e uma remessa de sorrisos e gargalhadas para distribuir por todos os britânicos carrancudos com quem se possa cruzar.
Há dez anos que Londres deixou de ser cinzenta. A Isa enche-a de cor como, certamente, mais ninguém conseguirá fazer.

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