Dito isto, despediu-se com uma pancadinha seca nas minhas costas e caminhou rua abaixo, enquanto eu digeria e decifrava aquelas palavras ditas num tom autista, vazio, distante.
Não se conseguia dar porque já se tinha dado. E continuava ali, imóvel à passagem do tempo, que chegava e partia vezes sem conta.
Afundara-se no azul daqueles olhos esquivos, de quem lhe dava tudo e nada, dia e noite num só segundo. E era aquela intensidade que o fazia querer sentir tudo outra vez. Em cada beijo, cada olhar, cada toque, procurava um brilho que se dissipara fazia tempo. Só ele não o sabia ainda.
Ainda se sentava naquela cadeira da esplanada do costume, em busca da mesma companhia; vestia aquela camisa, na esperança de sentir o cheiro do corpo dela, que não o voltara a envolver.
Em casa, perdia-se em pensamentos e cozinhava o prato que ela tanto adorava, na esperança de a ver entrar pela cozinha com mil e um "obrigados" na voz e um abraço terno, como sempre fazia.
Procurava-a em todos os lugares luminosos. Só o lugar onde ela ainda permanecia ele esquecera, desde o dia em que lhe dera o último ramo de crisântemos. Do lado esquerdo do peito dele, ela dançava noite dentro e dizia-lhe ao ouvido tudo aquilo que ele precisava de não recusar dali em diante. Sorria-lhe nos dias quentes, abraçava-o nos dias frios e empurrava-o para a vida com uma mão cheia de futuro.
Mas ele recuava. Recuava e voltava a dar-se-lhe vezes e vezes sem conta. Era no colo dela que voltaria a cair, mesmo sem qualquer amparo e só isso chegava para que mantivesse acesa a esperança de existir ainda um lugar para que, juntos, assistissem à mágica passagem do tempo.
Não se conseguia dar porque já o tinha feito a quem o saberia realmente receber.
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