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Mensagens

Fumo branco

A chuva bate no vidro, ao sabor do vento, enquanto leio mais um dos meus romances. O fumo branco do meu chá quente sobe até ao tecto como se levitasse e, a cada gole, lembro-me do quão quente é o teu abraço. A noite sussurra dentro das próprias paredes e chega a ser assustadora, à medida que o vento vai soprando, que as páginas do meu livro se vão virando e que o meu chá vai arrefecendo.  A noite é longa demais sem ti, sem essa tua vontade de seres nós junto comigo, sem essa doçura que trazes na ponta dos dedos e me aquece cada recanto, cada pedacinho de alma que, outrora, parecia ter congelado para sempre. És o "nós" que me faltava, és o amor que a minha boca queria dizer e que o peito, sem querer, já sente. Nos teus olhos vejo todos os lugares aonde quero ir e os mundos que, juntos, temos para conhecer. O teu sorriso ilumina-me a noite escura, como uma candeia brilhante no breu denso.  É aqui que vou ficar. E quem sabe se um dia não será para sempre. 
Mensagens recentes

O melhor de nós

Gritei, insultei, peguei na chave do carro e corri, na tentativa de fugir da chuva. Não fechei a porta de tua casa; sabia que, de alguma forma, o farias. Entrei no carro. A água escorregava pelos vidros como que querendo limpar tudo o que acabara de acontecer dentro daquelas quatro paredes. Olhei em volta. A chuva era cada vez mais intensa e o vento fazia baloiçar as copas dos plátanos que cercavam o bairro. E se fosse aquela a última vez que nos víssemos? A pergunta ecoou na minha cabeça durante alguns minutos. Foram os minutos suficientes para que entendesse que arrancar com o carro não seria a atitude mais sensata. E se não te voltasse a ver, seria aquele azedume que iria querer que sobrevoasse a nossa despedida? Saí do carro a correr em direção à tua porta, já fechada. Toquei à campainha e senti a tua presença do outro lado. Abriste de imediato e abraçaste-me, com o abraço forte do costume, capaz de envolver e proteger uma cidade inteira. - Gosto muito de ti. - murmurei. Estas pala

Menina pequenina

Era pequenina, de cabelos lisos, longos e sorriso triste bem vincado no rosto. Todos o notava, menos ela; demasiado ocupada a olhar atentamente cada uma das suas perfeitas imperfeições. Era pequenina, de olhos brilhantes e coração sem medida. De tão grande, o seu coração abrigava todo o mundo, excepto o seu e isso doía-lhe, apertava-lhe o peito, corroía-lhe a alma, já tão gasta de pensamentos repetitivos e turvos. Era pequenina e, num salto, cresceu ao olhar-se no espelho. Viu o que nunca vira, por mais que lhe falassem dessa existência. Cresceu, tornou-se segura de si e, pela primeira vez, viu o Sol iluminar-lhe o rosto, pousando sobre os seus olhos cor de mel. O sorriso triste dera lugar a uma gargalhada interna constante que se notava de longe, a cada vez que sorria, fazendo formar aquelas covinhas bem perto da boca. Naqueles olhos passara a ser Verão todo o ano e, agora, a menina, outrora triste, distribuía sorrisos por todo e cada lugar onde passasse. A menina, pequenina, tornara-

Mala de viagem

Tenho pressa de viver. Tenho ânsias de chegar a um lugar, mesmo que inóspito, no vão dos passos que ficarem por dar, no vazio desse destino que não é destino, que não é mais do que uma chegada prematura. Nas minhas veias corre um desejo louco de fazer acontecer, de chegar, ver e vencer não sei bem o quê, não sei bem como. Sei de sobra para saber que quero. Quero e pronto. Sem medida mas com tempo e hora marcada. Um querer imaturo, frágil na fraqueza dos dias, onde falta lugar e ocasião. Falta uma noite estrelada, de cabeça pousada na areia e ouvidos à bolina dos rugidos do mar, compassados por gargalhadas intermináveis. Falta que o fresco sabor da menta se aloje na minha língua e se me desça até ao estômago, provocando longos arrepios, inertes à passagem do vento, incólumes ao correr dos anos. Falta saber o que falta e falta que deixe de faltar. Falta juntar as peças no devido lugar, montar a lente e olhar. Olhar de novo, olhar melhor, olhar a fundo noutros olhos, noutros lugare

Uma espécie de ser

Meia-noite, domingo. Mais um dia normal dentro da normalidade possível que é estar fechada em casa, à espera que o tempo passe, enquanto a vida teima em não acontecer lá fora. É um misto de sentimentos; o desejo de que a Primavera chegue em pleno para que os pássaros cantem de manhã à noite e uma vontade inconsciente de que a chuva e o céu triste fiquem por aqui até que, finalmente, se possa sair à rua sem receio de falar, tocar ou chegar perto de quem gostamos ou de, simplesmente, trocar dois ou três dedos de conversa com a funcionária do supermercado. Seja quando for esse tão desejado regresso à vida normal, já nada vai ser normal. O medo, esse, vai permanecer durante muito tempo até que nos sintamos de novo seguros ao pisar o chão que todos pisam, ao frequentar lugares que todos frequentam, ao viver sem máscaras, luvas e más notícias. Quando não estou ocupada, invento para me ocupar. A rotina é, agora, mais rotineira do que nunca; dantes, sair de casa para trabalhar era apenas

Natal em lugar certo

Faltava apenas a estrela no topo. As luzes coloridas e trémulas já envolviam aquele pinheiro artificial que fazia as delícias do mais pequenino, cujos olhos não tinham ainda a noção do que significavam todos aqueles brilhos, aqueles sons, aquela energia contagiante. Pegou-lhe ao colo para que pudesse, ele mesmo, colocar aquela estrela, enorme e dourada, com as suas mãozinhas, inseguras. Era o primeiro Natal com um lugar a menos na mesa, com menos uma gargalhada na hora de distribuir os presentes e talvez com algumas lágrimas escondidas. Era o primeiro Natal do Dinis e só isso bastaria para alegrar aquela casa, tão vazia de pessoas mas tão cheia de amor. Os últimos meses haviam sido tenebrosos. Entre hospitais e lugares impessoais, entre o cheiro a doença e o vaguear da morte em cada um daqueles corredores, desaprendera a sorrir e caíra no chão ao correr atrás dela; não da morte, mas da vida da Sofia. Juntos, haviam até rapado o cabelo para que, pelo menos nisso, fossem os três ig

Caminho

O caminho é tortuoso Sombrio e deprimente Mesmo assim sabemos bem Que a saída é ir em frente Porque desistir não rima com a gente A vitória é lugar certo Passo a passo, lentamente, Chegamos mais e mais perto. Doem-me os pés de tanto andar Aqui, sorrir já não é verbo Volta atrás, dá-me a mão, Há sempre uma solução E essa é continuar. Às vezes não te percebo Perdi a chave do teu mundo Dá-me uma pista, um sinal, Algo fora do normal E eu volto a ti nesse segundo. Leva-me agora no teu colo Já não estou em boa hora De continuar este cami nho Agora vais tu sozinho Que eu fico a ver de fora. Chegaste ao fim e viste Que o destino estava errado Voltaste para trás, fugiste E foi cada um para seu lado.